quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Ideb não é parâmetro para discutir a qualidade da educação
 Por Carlos Eduardo Sanches. Publicado em Uol Notícias (10/09/2014)


Divulgados os resultados. E aí, melhorou ou piorou a qualidade da educação? Onde o indicador cresceu todos os problemas estão resolvidos? E nas escolas, municípios e Estados que registraram queda nada foi feito durante dois anos? Não temos a resposta pra estas e tantas outras perguntas porque o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) não tem essa capacidade.
Discutir qualidade da educação a partir do Ideb seria o mesmo que buscar uma definição da educação dentro de uma fábrica: estipular as tarefas, determinar a programação de ações, focar na execução dos serviços, providenciar a medição dos resultados e, claro, dar atenção especial à aferição do lucro. Acontece que professores não são robôs e os estudantes, tampouco, máquinas.
Ao contrário do que alguns possam imaginar, a educação é um direito, e não um serviço ou produto. Cada estudante tem um tempo e um modo de aprender e não há como definir que sua trajetória escolar siga padrões e regras pré-estabelecidos. O ambiente da sala de aula é diferente do chão de uma fábrica: enquanto operários manipulam máquinas os professores estimulam o desenvolvimento cognitivo de seres humanos.
Se Garrincha estivesse vivo poderia analisar o resultado do Ideb 2013 com sua maravilhosa frase: "esqueceram de combinar com os russos". Infelizmente, o Ideb surgiu na educação brasileira ao mesmo tempo em que em diversas regiões do mundo abandonavam a política do "accountability", com vistas à responsabilização de professores e gestores.

A realidade fica mascarada quando um indicador sintético combina informações sobre a aprendizagem de poucos alunos.
Carlos Eduardo Sanches: conselheiro estadual de educação no Paraná, sobre problemas na avaliação educacional do país.

Um dos exemplos é a fracassada reforma educacional de Nova York, segundo seus próprios criadores. Avaliação é fundamental no processo educativo, mas provoca desastrosos resultados quando utilizada apenas de maneira gerencial com foco no estabelecimento de rankings, comparações, na definição de programas de governo ou na destinação de abonos salariais.       
É preciso reconhecer que o Brasil avançou nos últimos anos na discussão sobre avaliação na educação. Pena que escolhemos o caminho errado. A realidade fica mascarada quando um indicador sintético combina informações sobre a aprendizagem de poucos alunos, em apenas algumas áreas, frente às taxas de aprovação.
As escolas brasileiras matriculam somente estudantes de 5º e 9º anos do ensino fundamental e 3º do ensino médio? Os alunos frequentam a escola apenas a cada dois anos? Todas as turmas têm mais de 20 alunos? A realidade local, o contexto sociocultural e as ciências da vida não fazem parte da formação do cidadão? Onde estão nesse indicador a formação inicial e continuada dos professores? E a infraestrutura das unidades escolares? Todos os estudantes têm o mesmo nível socioeconômico?

Esta lógica é decepcionante porque está centrada na comparação entre os desiguais. Na educação, dois processos estão presentes: um é o do ensino, e outro, da aprendizagem. É possível ter mesmo nível de domínio sobre ambas as variáveis? Isso dá pra ser traduzido em um número de 0 a 10?